terça-feira, 3 de novembro de 2009

Gravidez X Depressão

Uso de remédio para depressão é dilema para grávidas

Sherean Malekzadeh Allen, de Marietta, EUA, descobriu uma gravidez aos 43 anos. Estava casada há dois anos e já havia passado por dois abortos. Não tinha mais esperanças de ter um bebê.

Porém, em vez de ficar feliz, Allen ficou chocada: teve pânico, náuseas, apatia e depressão. Ela não conseguia nem ler um jornal nem sair da cama para ir ao trabalho, uma empresa de marketing fundada e dirigida por ela.

Allen enfrentou o dilema mais complexo das grávidas: tomar remédio e colocar em risco o desenvolvimento do bebê, ou enfrentar uma gravidez angustiante e prejudicar o bebê de outras maneiras?

"Tudo o que você toma quando está grávida, você pensa, 'Ai meu Deus, será que eu estou deformando o meu bebê? '", disse Allen. "Eu ficava preocupada em prejudicar o neném se eu tomasse os comprimidos, mas também ficava preocupada em prejudicá-lo se não os tomasse."

Alto índice

Um quarto das mulheres grávidas sofre de depressão, e metade desse número usa antidepressivos em algum momento da gravidez, segundo os dados de 2003. Embora muitas drogas pareçam ser suficientemente seguras, estudos relatam relação entre seu uso e um pequeno risco de malformações fetais. Outros problemas potenciais para o recém-nascido incluem abstinência e hipertensão pulmonar persistente, capazes de diminuir o fluxo sanguíneo para os pulmões.

Um estudo dinamarquês recente, publicado no periódico "BMJ", relatou uma relação entre o uso antidepressivos da classe ISRS (inibidores seletivos da recaptação da serotonina) usados por mulheres grávidas, incluindo Celexa e Zoloft, com o risco aumentado de defeito cardíaco comum em bebês.

Outro estudo, publicado no "The Archives of Pediatrics & Adolescent Medicine", relatou que bebês nascidos de mães que usam drogas ISRS apresentam resultados mais baixos no teste Apgar, que faz uma avaliação geral da saúde do recém-nascido, e são encaminhados à unidade intensiva neonatal com mais frequência.

Para confirmar tais achados, especialistas da Associação Psiquiátrica Americana, e o Colégio Americano de Obstetrícia e Ginecologia, uniram forças para revisar os dados disponíveis na literatura e fazer recomendações para o tratamento da depressão durante a gravidez.

Este relato, publicado na edição de setembro-outubro do "General Hospital Psychiatry", mostra que a terapia da conversa deve ser o primeiro tratamento para a depressão leve e moderada. Contudo, em casos severos, os riscos da utilização de antidepressivos, ou até mesmo a terapia de choque, são relativamente baixos. Sua mensagem principal, contudo, é que nenhuma generalização deve ser utilizada: as decisões de tratamento devem ser tomadas de acordo com a especificidade de cada caso.

"Não há uma resposta que sirva para tudo," disse Dr. Kimberly Yonkers, professor de psiquiatria, obstetrícia e ginecologia na Faculdade de Medicina de Yale e principal autor do estudo, que reconheceu receber apoio dos fabricantes de antidepressivos para as pesquisas. "Você não pode dizer, 'Proíba a medicação de todas as mulheres porque é prejudicial' e você também não pode dar medicação para todas as mulheres."

Precauções

O tom do relato, de forma geral, traz segurança, mas está cheio de precauções. Visto que mulheres grávidas são raramente recrutadas para testes clínicos, há poucas pesquisas sobre os efeitos de drogas durante a gravidez. Não há dados de estudos controlados e aleatorizados, nos quais os cientistas mais acreditam. A maioria das informações vem de estudos epidemiológicos grandes, a maioria deles realizados na Europa, que relacionam as bases de dados das pacientes. Muitas vezes as análises não podem eliminar ou controlar características capazes de afetar a gravidez que não sejam as drogas.

Neste novo relato --no qual quatro dos nove autores reconheceram receber financiamento para as pesquisas de empresas de drogas-- há discussões acerca das inconsistências dos estudos sobre algumas das relações mais preocupantes das drogas.

É difícil pesar os riscos da medicação contra os riscos de depressão não tratada. Estudos têm relacionado a depressão durante a gravidez com nascimentos prematuros, alterações no crescimento, irritabilidade e desatenção depois do nascimento. O uso de antidepressivos no pré-natal também tem sido relacionado com nascimento prematuro, baixo peso e aborto.

"Há décadas que as mulheres tomam esses medicamentos durante a gravidez, e até agora nada alarmante aconteceu", disse o Dr. Nada Stotland, atual presidente da Associação Americana de Psiquiatria.

Stotland e outros especialistas ainda sugerem que as mulheres que apresentam um histórico de depressão ou que estão tomando medicamentos devem consultar um médico antes de engravidar, ao invés de parar de tomar a droga por conta própria, o que as colocaria em risco de recaída.

Em 2005, a Administração de Alimentos e Medicamentos dos EUA qualificou a paroxetina, vendida como Paxil, como droga a ser evitada durante a gravidez, depois que estudos relacionaram seu uso no primeiro trimestre de gravidez a um risco elevado de defeitos cardíacos em bebês.

O estudo dinamarquês relatou que os bebês nascidos de mães que tomaram Celexa (citalopram) e Xoloft (sertralina) tiveram duas vezes mais riscos de apresentar defeitos no septo cardíaco, conhecidos como "buracos no coração". O risco absoluto ainda é pequeno, menos que 1%, e "os buracos" quase sempre se fecham sozinhos. Todavia, o estudo ressaltou que o risco foi maior quando a mãe tomou mais de um tipo de ISRS durante a gravidez.

O uso da mesma classe de drogas no fim da gravidez foi relacionado a um risco elevado de hipertensão pulmonar persistente, que pode causar problemas respiratórios e sérias complicações nos recém-nascidos. Um estudo recente relatou um aumento de seis vezes no risco dessas condições entre bebês nascidos de mães que usaram ISRS durante a segunda metade da gravidez. Entretanto, mesmo com o uso dessas drogas, esse problema não afeta mais de 1,2% dos bebês, de acordo com o estudo.

Um maior número de recém-nascidos é afetado por sintomas de abstinência depois do nascimento: 15% a 30 % dos bebês, cujas mães usaram ISRS no final da gravidez, sofrem efeitos como irritabilidade, choro fraco ou ausente, respiração acelerada, hipoglicemia, temperatura instável e ataque epilético. Os sintomas geralmente desaparecem dentro de duas semanas.

Alguns críticos disseram que o artigo deu pouca importância para abordagens antidrogas, como remédios homeopáticos e suplementos nutricionais, enquanto outros especialistas afirmaram que a aprovação da psicoterapia do artigo foi "politicamente correta", mas irreal.

A Dr. Shari I. Lusskin, diretora de psiquiatria reprodutiva no Centro Médico de NYU Langone, disse que o verdadeiro perigo está na falta de tratamento. "No momento em que fico sabendo que alguma paciente está com depressão pré-natal, a situação já está pior do que estaria se tivesse sido tratada somente com psicoterapia. Isso acontece porque as mulheres se esforçam para não reclamar; elas não querem ser medicadas e sentem-se culpadas", disse Lusskin,

"Deveríamos usar um limiar baixo para tratar mulheres agressivamente."

Allen, de Marietta, disse que precisava de um tratamento agressivo, então decidiu tomar a medicação, mas "ficava ansiosa toda vez que tomava o remédio", lembra. "Meu marido falava, Isso não é bom para o bebe, não faça isso'".

Seu filho, Hunter Jamison Allen, nasceu às 09h05 da noite, no dia da eleição em 2008, pesando três quilos. O resultado do teste Apgar foi perfeito. "Ele está feliz, saudável e adorável," disse Allen. "Ele é o meu docinho".

**MATÉRIA PUBLICADA NO JORNAL FOLHA DE SÃO PAULO DE 28 DE OUTUBRO DE 2009**

Nenhum comentário:

Postar um comentário